sábado, 11 de março de 2023

 

Ricardo tem sede de justiça

 Tá lá um homem espancado estendido no chão

- A intolerância do trabalhador contra o brasileiro   sem nada

 Cena real da manhã de sábado, 11 de março. *

 Na capital mais excludente do Brasil, o sem teto   Ricardo agoniza na calçada, depois de  ser espancado  e ter desmaiado de dor. 

 O cenário é a Rua São João,   região central de São Paulo, próximo ao comércio popular oficial e informal. A polícia (Guarda Civil   Metropolitana) chega, acorda a vítima e pergunta o que aconteceu. Aos poucos, o homem se levanta e   conta ter sido maltratado.

Longa cabeleira e barbas grisalhas, ele está bem vestido: calça jeans, uma camiseta preta enfeitada coma uma rosa vermelha na haste verde, bordada na altura do peito, e chinelos de dedo. Podia ser um transeunte qualquer. Ele (aparentemente) está limpo, mas pode ter tomado uma birita para aguentar mais um dia...

Com pouco menos de 50 anos, o rosto sem rugas e os dentes em bom estado, aparenta ser mais jovem. Talvez, a idade que Cristo teria quando for humilhado, espancado e assassinado para zerar os pecados do mundo.

Em entrevista à TiViu, a televisão da PopRua, o homem conta que outro homem, mais jovem do que ele, pouco mais de 20 anos, chegou correndo e o agrediu. Ao pedir um copo d’água e foi acusado de tentar roubar uma cadeira, que caiu estava fixa, mas caiu na confusão.

“Ele gritou para eu sumir dali. Como eu não consegui correr, porque não consigo, me joguei no chão. Aí ele chutou a minha boca, a minha cabeça e me bateu com a barra de ferro. Eu desmaiei e ele voltou para o trabalho.”, contou.

Após a confusão as versões tomam os seus lados.

“Ninguém viu o que aconteceu...”, diz um. “Todo mundo viu”, retruca Ricardo.

 Os colegas do agressor se unem para defender a versão que, segundo eles, justificaria o maltrato: ele quis roubar uma cadeira. Alguns cobrem o rosto, e se unem na retórica: ninguém deu  porrada nele, ele caiu...

O nome da lanchonete parece justificar o ocorrido. Estaria o "dono do mundo" dizendo para matar ou invés de servir a bebida? Quando excluir, agredir seria o correto a fazer? Um direito de uns contra o outro?

A pergunta que fica: por que Ricardo roubaria uma cadeira, andarilho que é?

Jesus Cristo teria de morrer de novo para perdoar os pecados dos intolerantes, que negam água para um ser humano numa cidade onde quase 50 mil pessoas sobrevivem em situação de rua, sem comida, sem afeto, sem solidariedade.

“...Me dá um copo d’água, tenho cede. E esta sede pode me matar...”

                                                                                                 #GilbertoGil 


*Com reportagem e fotografia de Sebastião Nicomedes de Oliveira. artivista

Nota dos autores:

Ricardo se tratou sozinho. Foi até um bebedouro na esquina, colocado para atender à População em Situação de Rua e lavou o rosto. Cuspiu o sangue e seguiu a vida...



























Foto: Tião Nicomedes

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