Seu Ivan, meu pai (foto: arquivo familiar) |
Mas dia 21 de março deveria ser todos os dias, não é mesmo?
Eu nasci numa padaria, literalmente (na verdade, no quarto dos meus pais, que ficava na casa onde ficava o comércio). Passei a minha infância nesse ambiente, em duas cidades diferentes: Porto Feliz e Boituva, no interior de São Paulo.
O cheiro, o sabor dos pães, doces e salgados, talvez sejam a minha memória culinária mais forte. Também, nunca me esquecerei dos testemunhos das histórias de vida cotidiana que permearam a troca entre o pão e a moeda.
Nos balcões da Padaria Santa Maria, que celebrou cem anos de atividade em 2022, antes de encerrar as suas atividades, aprendi a minha "palavramundo": troca. Foi lá que a minha história de vida começou; onde aprendi a ouvir e falar e dialogar e ler os jornais no balcão.
Nesses tempos em que a fome ronda o nosso país e é preciso resgatar a generosidade do povo brasileiro em partilhar o pão, deixo aqui a minha homenagem aos padeiros, na figura de meu pai.
Reproduzo, abaixo, uma história vivida que conta um pouco de como, nos anos de 1960/1970, as vidas fermentaram e cresciam em torno do simples ato de saborear um pão fresco, "quentinho, feito a toda hora".
As padarias, então, eram pontos de referência! Assim como os padeiros líderes comunitários.
Que não falte "pão em todas as mesas".
#Diadopão
Um tal de Tarcísio Meira
Meu pai, comerciante da cidade do interior paulista, enquanto viveu não cansava de contar essa história:
Em tempos que cédulas e moedas circulavam pouco e os serviços bancários eram restritos, quando ter uma conta bancária era privilégio de alguns e não haviam cartões, agências 24 h, pixs e transações via internet, meu pai, curiosamente, atendia aos pedidos dos pequenos e grandes clientes que precisavam de dinheiro vivo. Eram épocas da famosa gaveta, que armazenava as notas.
Naquele dia, um de seus "fregueses", da Padaria Santa Maria, veio pedir para que ele trocasse em cheque. Ele havia prestado um serviço de manutenção e recebido o pagamento em forma de cheque e não tinha como descontá-lo.
-Seu Ivan, o senhor faz o favor de trocar este cheque por dinheiro para mim? Não sei se o senhor conhece o meu patrão. É um tar de Tarcísio Meira!
O meu pai, que preferia os seriados e filmes de bang-bang às novelas que passavam no mesmo horário (nobre da televisão), no entanto, admirava o personagem da trama dos Irmãos Coragem. Na época, o casal Glória Menezes e Tarcísio Meira estava construindo a sua casa entre as cidades de Porto Feliz e Itu, na vizinha Boituva.
Eu sempre ria com o meu pai quando ele repetia a façanha: um pedacinho do famoso ator nas mãos dele... E dizia:
Imagine se alguém não conhece o Tarcísio Meira?
O galã que ousou morrer gala, com seu sorriso lindo e bochecha à lá personagem de Maurício de Souza? Eu, que nunca assistir novelas, sempre admirei o moço bonito, que soube honrar a sua parceira até o fim, nessa quinta-feira (12/8/2021), vítima desse vírus maldito, o coronavírus.
Oh, Glória! Oitenta e cinco anos de vida pública!
Oh, Glória! como serão agora os seus dias sem o seu par perfeito?
A mocinha de tantas histórias, atriz soberana que soube se reciclar com os passar dos anos conservando a beleza de musa... Ela sobreviveu à Covid-19, ficando ao lado do amado amante até o fim?
Lamentar uma morte nesse momento em que a pandemia parece estar sendo ignorada por tantos, apesar de apenas na véspera terem morrido 975 brasileiros, parece ser contraditório. Lembro que apenas cerca de 25% dos brasileiros estão totalmente imunizados, e ainda não sabemos, idealmente, qual será a cobertura das vacinas frente às variantes do coronavírus.
A tristeza só aumenta quando pensamos que a contaminação acontece, geralmente, por descuido. Afinal, a Covid-19 não descansa frente ao nosso comportamento farto dos protocolos sanitários.
Além disso, os sintomas mais leves entre os vacinados nem sempre têm o diagnóstico confirmado... E a contaminação acontece.
Irmãos, nesses anos pandêmicos é preciso ter muita coragem.
Voltando à morte de Tarcísio Meira, ele poderia ter vivido um pouco mais...
Voltando à história vivida e contada por meu pai:
Pena que ele não guardou o cheque...
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