quinta-feira, 23 de março de 2023

Se não vender ele come... Ou morre de fome?



Foto: Adriana do Amaral


Mais uma vez um homem em situação de rua. Desta  vez, com pouco mais  de 20 anos. 

Este menos limpo, menos bem vestido, mas muito articulado. Nas  primeiras horas da manhã ele já estava de pé e me abordou na frente de uma loja de doces. 

"Oi, tudo bem? Posso falar com você? Não, não vou  pedir dinheiro, nem comida. Podemos conversar um  pouco?"

Pergunto o seu nome, ele responde. Vou chamá-lo  aqui de R. 

"Eu moro na rua e apenas queria pedir que você me  ajudasse comprando um doce para que eu possa  trabalhar". 

Com a minha resposta assertiva, ele corre na loja - talvez com medo que eu desistisse ou pechinchasse o produto mais barato. Vai direto na caixa de paçoquinha e volta para mim, que o espero no caixa sob a perplexidade da balconista.

Eu respondo: 

"Você é bom, hem? Escolheu o produto que todo mundo gosta. Venda na certa".

"É verdade", responde. "Todo mundo gosta de paçoca".

Enquanto esperávamos para consolidar a venda, com o pagamento, dialogamos. Ele contou-me que foi morar na rua porque cansou de ver a mãe ser agredida e também apanhar do pai. Lembrou-me um jovem que entrevistei nos anos 1990, outra história de violência doméstica, dor e abandono...

"Um dia eu eu meu irmão nos reunimos, demos uma surra nele, e o expulsamos de casa. Minha mãe está ótima: colocou os dentes de volta e até está namorando."

Ao ser questionado sobre o porquê não voltou a morar com ela, argumentou:

"Uma vez sem casa, na rua, ninguém tira a rua da gente", testemunhando que após viver ao relento, para ele seria inviável voltar para quatro paredes...

Antes de nos despedirmos eu pedi uma paçoquinha, contando que é o meu doce favorito. Ele quis me dar três, eu respondi que não, queria apenas uma e ele precisava do dinheiro das vendas.

Voltando para os meus afazeres, pensei: 

R teria de convencer 50 pessoas para, com muita competência e sorte, vender 49 doces. A primeira pessoa convencida fui eu.

Hipoteticamente pensando em R$1 por paçoca ( talvez ele ofereça duas por este valor) imagino o trabalhão para ganhar R$49, isso se a fome não bater e ele comer algumas. Lembrando que para uma pessoa em situação de rua é bem mais difícil a abordagem, frente à rejeição.

Eu sempre compro paçoquinhas dos ambulantes. Para ajudar e saborear. 

No dia seguinte comprei duas paçoquinhas de uma moça no Metrô. Ela contou-me que era mãe de um bebê e, desempregada, vendia doces para alimentar a filha. Nos dias bons conseguir vender, no máximo, 40 paçoquinhas. Isso, com grande esforço: andando, dialogando e correndo o risco de o rappa ou os seguranças reterem a mercadoria, vendida sem licença.

Angustiada, pensei comigo: a vida não é nada doce!


                                           Compre de ambulante! Isto pode significar sobrevida.

                                                        #trabalhodecenteprátodaagente

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