quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Foi no carnaval que passou...

 

Fotos: reprodução web


Confesso que seria uma péssima juíza de carnaval: 

quase sempre gosto dos que não venceram...

Torço pelas escolas que me tocam, fazendo requebrar não apenas as minhas cordas de energia, mas alteram os batimentos do meu coração.

Por isso, independentemente do resultado oficial, para mim as escolas campeãs do #Carnaval2024 foram #VaiVai, em #São Paulo, e empate técnico para #Portela e #Salgueiro, no #RiodeJaneiro.

No desempate: Portela, pela competência em associar a história, a literatura, a arte à vida real nesse "Defeito de Cor".

Viva as madres, as avós, as viúvas, as órfãs de seus amores ceifados, assassinados.

Elas dignificam com amor a dor que nunca cessa

Inconformadas? Jamais: resistentes.

Viva #AnaMariaGonçalves !

A violência histórica e tão atual:

As três escolas levaram para as avenidas o enredo da vida real:

o genocídio colonizador, que não apenas roubou as terras indígenas, mas perpetua o extermínio,  através da violência atual, dizimando os poucos originários resistentes;

o genocídio explorador, que transformou dois continentes em pelourinhos, onde corpos negros foram e são escravizados, mortos, torturados, explorados, numa massacre que continua, ceifando sobretudo os pretos pobres e jovens.

A juventude negra paulista que se revela em arte.

Em São Paulo, o samba-enredo "

Capítulo 4, Versículo 3 - Da Rua e do Povo, o Hip-Hop: Um Manifesto Paulistano, desvelou  usurpadores de direitos, os algozes das violências.

A diáspora africana reprimida inclusive por outros corpos negros vestidos de farda, quase sempre comandados por pessoas de pele pouco mais clara, mas nem tanto...


Carnaval bom é aquele que entra para a história e que a gente não se esquece...

Dona Marinete estava presente.

Coube até um sorriso na sua fase, pois sabe que #Mariellevive na nossa luta pela liberdade. 

Ao lado dela, outras 15 mulheres imortalizaram, na Passarela do Samba os seus filhos assassinados pela exclusão, pela violência policial, pela racismo estrutural (Almeida) ou institucional (Sodré).




     


Emprestamos o refrão do Salgueiro, Hutukara, que caberia muito bem ao samba da Portela:


Falar de amor enquanto a mata chora
 
(Mãe chora...)

É luta sem flecha, da boca prá fora...


Quem diria "túmulo do samba" teria um dos maiores carnavais de rua do Brasil?

As armas são palavras na voz do rapper #ManoBrown.

Uma história cantada que mostrou uma faceta da polícia militar que o sindicato da categoria não quer admitir: cruel, desmedida, bandida. 

Que atira não dando a chance de um inocente - "quase todos pretos" -provar o contrário,

Que amarra tal pintura de #Debret,  torturando e humilhando o corpo pobre, 

Que impõe à força, de forma desmedida, autoritariamente.

Ironicamente, a polícia se organizou para, em nota oficial, instigar os legislativos de direita a cercear a escola de samba Vai Vai com medidas punitivas.

O delegado, ops, sindicato (dos delegados de polícia do Estado de São Paulo, mandou avisar, em Nota Oficial, reclamando de "afronta".

A nota diz que, "em nome do que chama de 'arte" ... "desrespeita e trata de forma vil e covarde" os "profissionais abnegados" ...

Dois deputados da ala mais conservadora do Estado pediram providências das autoridades, inclusive o corte das verbas para o carnaval 2025.

Prefeito e governador estão de olho nos palanques das eleições...

A Vai-vai, talvez por receio das represálias, justificou que o enredo deveria ser entendido dentro de um contexto. 

"Como uma escola do povo vai ficar contra um órgão que faz a nossa segurança em nosso ensaio?", questionou.

O desfile paulista registrou para a história do carnaval  a presença dos Racionais MCs na avenida.

A ala, polêmica, fez a releitura carnavalesca da obra "Sobrevivendo ao Inferno". 


Viva: Mano Brown!

Na selva de mata e de pedra, em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Amazônia,  muitas mães choram as vidas dos seus filhos, e pais, e companheiros...



E pensar que a Vai-Vai, quis reunir todas as tribos para pedir paz!

          É preto no branco, no tom do meu canto
Preconceito nunca mais
          Fogo na estrutura
           Justiça, igualdade e paz.

Remete-me às mães argentinas que todas as quintas-feiras vão a Praça de Maio, em Buenos Aires, e na sua pequena-grande-marcha exigem:

Verdade
           Memória
                        Justiça.




                  Salve o carnaval que fica para a história quando faz história!










2 comentários:

  1. Adriana, sempre um texto impecável, profundo e comprometido em defesa da vida e contra as injustiças e desigualdades. Parabéns.

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  2. Muito obrigada pela leitura atenta, crítica, generosa! Eu escrevo o que eu sinto, penso, ouço, leio, vivo,

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