quinta-feira, 30 de março de 2023

É preciso celebrar a mulher que me tornei - Nasci mulher? Sim e não. Escolhi ser

 

Arte da capa, fonte APD

 Na minha certidão de nascimento, há sessentanos, estava   estabelecido: sexo feminino. E, com o passar dos anos, fui me   acostumando à condição de mulher.

 Na infância, brincava com boneca e cumpria o papel de boa   menina; na adolescência, a rebelde de todas as causas; adulta,   os desafios da condição feminina sempre em transformação... 

 Hoje, tenho a certeza de que o caminho individual parte do   coletivo. E não há tempo a perder nessa lida pela valorização da   mulher e da pessoa humana.

 Eu nunca aprendi a cozinhar, limpar a casa e até hoje peleio com   essas tarefas. Faço-as por escolha, pois não quero outra mulher   fazendo por mim. Talvez comigo. Prefiro tê-las ao meu lado para   uma boa troca e prosa


Nos anos 1980 cantávamos algumas de nós: “oh, mãe, o que é ser menina?”* Respondo agora: é ser e estar aonde quisermos, sempre prontas para os confrontos ao transpor barreiras físicas, sociais, intelectuais.

Na minha geração aprendemos a defender o que somos. No meu caso: mulher cis, profissional, feminista, ativista de esquerda. . Não fui criada para ser mãe, mas para ser mulher independente, profissional, livre. Quem dera... Mas a minha trajetória constantemente me prega peças, e o meu melhor papel é justamente ser mãe de dois filhos.

Não a mãe perfeita, mas a que ama e respeita as escolhas da prole, incentivando-os a serem homem e mulher de suas gerações.  A ele ensinei respeitar o não, a ela que o sim é uma escolha pessoal e intransferível. Aprendi muito mais do que ensinei com eles...

Com o passar dos anos, testemunhei que ser mulher é mais do que ser diversa: é ser única. Sendo minoria somos maioria. Sendo diferentes, podemos e devemos ser unidas. Afinal, não poderemos ser felizes enquanto algumas entre nós ficarem para trás.

Descobri que a minha condição de mulher branca sempre me trouxe privilégios de que não tinha consciência. Entender o limite que desconhecia ao carregar uma culpa ancestral não é fácil de carregar, mas fazer parte da mudança me motiva. Cabe a todas, cada qual com a sua luta individual, pensar o coletivo.  

No momento, a lida é pelo etarismo. Confesso que não assimilei certos engajamentos relativos ao conceito. Mais uma vez, sou privilegiada por envelhecer bem, com saúde, produzindo e me atualizando ao desafiar o passar dos anos.

O desafio é ter a consciência de que nem todas tiveram a oportunidade de envelhecer de maneira saudável. Muitas são assassinadas, reclusas em situação de cárcere, abandonadas em situação de rua, restritas em ambientes asilares, exploradas em cárcere privado e ou discriminadas por serem mulheres com deficiência. Saúdo as idosas que criam os netos ou sustentam os familiares com os escassos recursos da aposentadoria. As matriarcas que multiplicam saberes, culturas, afetos.

Os desafios não muitos: a valorização profissional, salarial; o combate à violência de gênero e política; o direito às escolhas como ser uma mulher lésbica ou assexuada, ter um filho natural ou adotar, não ter filhos. Ser respeitada pela nossa individualidade.

Assim fui construindo a minha consciência crítica, cidadã, comunicacional. Engolindo sapos, mas tornando-me cada vez mais uma mulher de meu tempo.

Otimista, acredito na diversidade humana e que homens, mulheres, pessoas transgêneros serão, um dia, capazes de conviver com equidade. A diversidade de que me deixa tranquila ao ter escolhido ser mulher como nasci. Protagonista de mim mesma.

Neste #8M, marcado no calendário como o Dia Internacional da Mulher, lembro ser um dia de luta, mas também de memória e festa. Data para homenagear cada mulher que me abriu os caminhos e por aquelas que sucumbiram nessa jornada.

Orgulhosa da minha condição feminina, eu sigo a minha lida pessoal e coletiva pela valorização de todas, todos, todes, ao mesmo tempo em que não sejamos prejudicadas pela condição de ser mulher.  Pensando o que posso fazer hoje por outra mulher?

Machismo mata, assédio marca, misoginia maltrata, falta de sororidade exclui. Sobretudo neste Sul Global onde vivemos e parte da sociedade acostumou-se à herança colonialista, machista, capitalista.

Pronta para enfrentar os desafios como mudança desejada, dedico a cada mulher que ler este texto a canção:

Herança de Caminhar, Carol Andrade, 2022

“O mundo anda prá frente, não tem como segurar... tem lição para aprender... O futuro mandou avisar: agora é nossa hora, ele vai nos cobrar.”

https://www.youtube.com/watch?v=xqHQlLzCP7o

 

*Jornalista profissional (MTb16447), doutoranda em Comunicação Social pela UMESP

**Feminina, Joyce Moreno, 1980

Para baixar e ler todos os artigos:

Breves Artigos - Caderno Especial #DiaInternacionaldaMulher 2023

https://apd.org.br/breves-artigos-caderno-especial-dia-internacional-da-mulher-2023/






 

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