Arte da capa, fonte APD |
Na minha certidão de nascimento, há sessentanos, estava estabelecido: sexo feminino. E, com o passar dos anos, fui me acostumando à condição de mulher.
Na infância, brincava com boneca e cumpria o papel de boa menina; na adolescência, a rebelde de todas as causas; adulta, os desafios da condição feminina sempre em transformação...
Hoje, tenho a certeza de que o
caminho individual parte do coletivo. E não há tempo a perder nessa lida pela
valorização da mulher e da pessoa humana.
Eu nunca aprendi a cozinhar, limpar a casa e até hoje
peleio com essas tarefas. Faço-as por escolha, pois não quero outra mulher fazendo por mim. Talvez comigo. Prefiro tê-las ao meu lado para uma boa troca e
prosa
Nos anos 1980 cantávamos algumas de nós: “oh, mãe, o que
é ser menina?”* Respondo agora: é ser e estar aonde quisermos, sempre prontas
para os confrontos ao transpor barreiras físicas, sociais, intelectuais.
Na minha geração aprendemos a defender o que somos. No
meu caso: mulher cis, profissional, feminista, ativista de esquerda. . Não fui
criada para ser mãe, mas para ser mulher independente, profissional, livre.
Quem dera... Mas a minha trajetória constantemente me prega peças, e o meu
melhor papel é justamente ser mãe de dois filhos.
Não a mãe perfeita, mas a que ama e respeita as escolhas
da prole, incentivando-os a serem homem e mulher de suas gerações. A ele ensinei respeitar o não, a ela que o
sim é uma escolha pessoal e intransferível. Aprendi muito mais do que ensinei
com eles...
Com o passar dos anos, testemunhei que ser mulher é mais
do que ser diversa: é ser única. Sendo minoria somos maioria. Sendo diferentes,
podemos e devemos ser unidas. Afinal, não poderemos ser felizes enquanto
algumas entre nós ficarem para trás.
Descobri que a minha condição de mulher branca sempre me
trouxe privilégios de que não tinha consciência. Entender o limite que
desconhecia ao carregar uma culpa ancestral não é fácil de carregar, mas fazer
parte da mudança me motiva. Cabe a todas, cada qual com a sua luta individual,
pensar o coletivo.
No momento, a lida é pelo etarismo. Confesso que não
assimilei certos engajamentos relativos ao conceito. Mais uma vez, sou privilegiada
por envelhecer bem, com saúde, produzindo e me atualizando ao desafiar o passar
dos anos.
O desafio é ter a consciência de que nem todas tiveram a
oportunidade de envelhecer de maneira saudável. Muitas são assassinadas,
reclusas em situação de cárcere, abandonadas em situação de rua, restritas em
ambientes asilares, exploradas em cárcere privado e ou discriminadas por serem
mulheres com deficiência. Saúdo as idosas que criam os netos ou sustentam os
familiares com os escassos recursos da aposentadoria. As matriarcas que
multiplicam saberes, culturas, afetos.
Os desafios não muitos: a valorização profissional,
salarial; o combate à violência de gênero e política; o direito às escolhas
como ser uma mulher lésbica ou assexuada, ter um filho natural ou adotar, não ter
filhos. Ser respeitada pela nossa individualidade.
Assim fui construindo a minha consciência crítica,
cidadã, comunicacional. Engolindo sapos, mas tornando-me cada vez mais uma
mulher de meu tempo.
Otimista, acredito na diversidade humana e que homens,
mulheres, pessoas transgêneros serão, um dia, capazes de conviver com equidade.
A diversidade de que me deixa tranquila ao ter escolhido ser mulher como nasci.
Protagonista de mim mesma.
Neste #8M, marcado no calendário como o Dia Internacional
da Mulher, lembro ser um dia de luta, mas também de memória e festa. Data para
homenagear cada mulher que me abriu os caminhos e por aquelas que sucumbiram nessa
jornada.
Orgulhosa da minha condição feminina, eu sigo a minha
lida pessoal e coletiva pela valorização de todas, todos, todes, ao mesmo tempo
em que não sejamos prejudicadas pela condição de ser mulher. Pensando o que posso fazer hoje por outra
mulher?
Machismo mata, assédio marca, misoginia maltrata, falta
de sororidade exclui. Sobretudo neste Sul Global onde vivemos e parte da
sociedade acostumou-se à herança colonialista, machista, capitalista.
Pronta para enfrentar os desafios como mudança desejada,
dedico a cada mulher que ler este texto a canção:
Herança de Caminhar, Carol Andrade, 2022
“O mundo anda prá frente, não tem como segurar... tem lição para
aprender... O futuro mandou avisar: agora é nossa hora, ele vai nos cobrar.”
https://www.youtube.com/watch?v=xqHQlLzCP7o
*Jornalista
profissional (MTb16447), doutoranda em Comunicação Social pela UMESP
**Feminina,
Joyce Moreno, 1980
Para baixar e ler todos os artigos:
Breves Artigos - Caderno Especial #DiaInternacionaldaMulher 2023
https://apd.org.br/breves-artigos-caderno-especial-dia-internacional-da-mulher-2023/
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