terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Brasil e Alemanha: parceiros comerciais e ideológicos


Foto: Ricardo Stuckert. 


Por Adriana do Amaral

Na entrevista coletiva concedida no final da tarde de segunda-feira (30 de janeiro), o chanceler alemão, Olaf Scholz, lavou a alma dos brasileiros que ansiavam e, pelo menos durante os próximos quatro anos,  se libertaram de um governo que flertou com o nazismo no passado recente. Imagino que o político alemão também esteja respirando aliviado.

"Vocês fizeram falta, Lula", soltou o político, quase num desabafo. Uma frase dita no final de uma declaração completa. Fala que significa muito para quem souber associá-la ao vazio internacional protagonizado pelo ex-presidente do Brasil. Também, pela insegurança, instabilidade e perigo vivido.

"Estamos muito felizes pelo Brasil estar de volta à cena mundial e como liderança da América Latina. Bem-vindo de volta, Brasil", soltou em alto e bom tom, sinalizando um novo momento nas relações internacionais entre os dois países. 

Chamou-me a atenção a época em que aconteceu a visita. Três dias após o mundo lembrar o Dia Internacional do Holocausto e no momento em que o Brasil vive um dos seus principais dramas: o genocídio do povo yanomami, numa herança deixada para o presidente Lula resolver. 

Meus colegas alemães

Descobri a importância do Brasil como parceiro oficial da Alemanha ao trabalhar numa empresa de origem familiar alemã, no segmento de bens de capital. Muito da "robusta" tecnologia germânica é produzida no Brasil, nas cidades de São Paulo e Manaus. Os maiores parques fabris, que materializam o "estado da arte da engenharia" embora a empresa tenha filiais em mais de uma centena de países.

Testemunhei como os alemães faziam questão de expressar os seus sentimentos, e como pareciam gostar dos brasileiros. Eram gentis ao se fazerem entender por nós e elogiavam a proatividade e dedicação dos trabalhadores, que não mediam esforços para ajustar as agendas ao câmbio horário da matriz e explicar a complexa política cambial. Foram inúmeros projetos e processos realizados, então. 

Eu, trabalhando na comunicação interna e externa tive a oportunidade de estar ao lado dos CEOs. Presenciei o presidente do grupo carregar no colo o presidente de uma das empresas brasileiras. É claro, a fotografia não foi publicada. 

Confesso que nunca entendi o hábito que eles têm de tomar café com leite após as refeições. Também, foi com eles que aprendi a gostar dos meus dentes desalinhados. Aquelas pessoas riquíssimas e cultas não desgastavam os dentes para colocar lentes de contato, como fazemos aqui. Imperfeitos, porém saudáveis. Dentes fortes são belos.

Num passado não muito remoto, participei ativamente dos longos debates nos escritórios localizados no parque fabril, que reúne quatro empresas do mesmo grupo. Os brasileiros diplomados não poupavam  críticas ao governo popular e eu sempre polemizando em prol da equidade. 

Aliás, minha maior provocação era colocar os "colaboradores" -odeio essa expressão que pretende dar certa elegância aos empregados- do chão de fábrica nas revistas. Inclusive nas internacionais.

Épocas de bonança, quando o dinheiro permitia pequenas extravagância que iam além da "linha branca" e da casa ´popular, mas as críticas já eram muitas, sobretudo no governo da presidenta Dilma Rousseff. Arrisco-me a dizer que, sim, o Brasil parceiro de negócios fez muita falta. E o chanceler sabe muito bem o quanto. 

Não apenas o parceiro de negócios, mas também o Brasil hospitaleiro, onde os companheiros alemãs tomavam caipirinha, iam aos jogos de futebol. Dentre outros passeios, nem tão ecológicos assim, faziam questão de conhecer as Cataratas do Iguaçu.

Aprendi uma única frase em alemão: ich liebe dich. Afinal, o amor está matando o ódio. E o fascismo não é bom nem para brasileiros, nem para alemães.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Mais do que janelas do mundo, os livros escancaram as nossas almas


Páginas descobertas, 
fotos: Adriana do Amaral


 Por Adriana do Amaral

Eu sempre gostei de ler, mesmo antes de ser capaz de fazê-lo, motivada pela estante da casa de meus pais e pela ausência de bibliotecas e livrarias da minha cidade do interior. Li menos do que queria, mas sempre li mais do que a maioria. Também li para os meus filhos e, hoje, eles me motivam para outras leituras. Atualizam-me.

Como acadêmica em formação, eu preciso de pausas nas referências obrigatórias, próprias da tese a ser defendida, daqui a dois anos. A literatura me é um alento, que refresca a minha mente.

Apenas neste primeiro mês do ano, 2023, graças às férias, conseguir ler sete livros: cinco deles puro deleite. Todos, emprestados pela minha filha, que depois da dura formação até conquistar o título de especialista em nefrologia, agora reserva um tempo diário para cultivar o velho hábito de ler. Eu simplesmente parei para lê-los.

Curiosamente -ou seria uma escolha inconsciente?- lemos, minha filha e eu, autoras mulheres: Annie Ernaux (O acontecimento e O lugar), Carla Madeira (A natureza da mordida) e Martha Batalha (Nunca houve um Castelo). Li dois autores homens: paixão antiga, Marcelo Rubens Paiva (Do começo ao fim), que sabe do universo feminino tal Chico Buarque de Holanda, tradição de mãe para filha, e minha paixão recente,  Boaventura de Souza Santos (Descolonizar - Abrindo a História do Presente), que faz da ciência literatura qual Eduardo Galeano, e  também me inspira a "atravessar". Á referência acadêmica de Santos somou-se  a Silva, Hall e Woodward (Identidade e diferença -A perspectiva dos Estudos Culturais), mostrando que as diferenças nos permitem ser.

Cada leitura me absorveu de formas distintas 



Sou daquelas que sente, ri e chora com os personagens, mas que também se identifica e se redescobre através deles. Eu risco os livros, quando são meus. Hábito que aprendi ao ler, e me apaixonar, pelo poeta Mário Quintana e seu poema Da paginação. Alguns livros me reacendem o sonho antigo, de um dia ser plenamente realizada se for capaz de escrever uma frase tal Gabriel Garcia Marques, o autor predileto dentre tantos.

Com as leituras de 2023 - confesso que o resultado das eleições, depois de seis anos de espera desde o golpe de 2016, me aguça a vontade de continuar lutando para um Brasil melhor atualizei a nossa história colonial, patriarcal e capitalista, também desvelada através da ficção. A identificação é tanta que reproduzo aqui alguns dos grifos de cada livro lido:


"Lívia largou o papel, rasgou em pedaços e começou a chorar tudo o que não chorou quando sua mãe foi internada por cirrose na UTI, quando o irmão avisou que acharam metástase no fígado, na semana que durou o calvário, até a morte rápida. Chorou ali o que não chorou no velório, no enterro, na missa. Aproveitou então que estava sozinha e desabou. Estou estressada, cansada, só, mocinho, muito só. Sentada agora no nosso sofá, vendo o mijo do meu pai pelo chão. O que eu faço mocinho? Você está tão longe... Se levantou, foi até a despensa, voltou com um esfregão, detergente, limpou o chão sujo. Que bosta que é a minha vida! Limpou aos prantos, Ao ponto de não saber mais o que era mijo e o que era lágrimas."

(#MarceloRubensPaiva, Do começo ao fim)


"Tenho a sensação de que passei pelo bosque e vi apenas lenha para fogueira. Sinto que gastei tanta vida com sofrimentos que não mereciam apelos de misericórdia. Olhe pra mim, não passo de uma velha branca em uma zona sul ensolarada! Devo admitir, não passei fome, não me cobri de farrapas, não me acusaram do que não fiz. Não perdi filhos, não fui roubada, abusada, torturada, escalpelada. Não fui banida. Não estive na guerra. Não me impediram de entrar em nenhum lugar onde tinha o direito de estar. Nenhuma tragédia, nenhuma grande injustiça, nenhuma remorso corrosivo. Eu não cruzei com a besta amarela no corpo do nazista que obrigou a pobre coitada daquela mãe, Sofia, a uma falta brutal de escolha, nem com os torturadores que Ivan Karamazóv descreve para seu irmão Aliócha que me fez odiar os torturadores e amar a literatura."

"Não podia pedir a alguém chorando que saísse de onde estava para que eu me sentisse melhor... O que você não tem mais que te entristece tanto?... Será que você não vê que não fez nada?... Por que não toma para si o lugar de quem foi ofendida e não o de quem deve se desculpar?...

(#CarlaMadeira, a Natureza da Mordida)


"Onde nunca se usam palavras novas para substituir outras... Meu pai tinha consciência de desempenhar uma função social necessária... Sem sombra de dúvida, todas essas coisas serviam para dizer aos que dirigem, mandam e escrevem nos jornais..."

(#AnnieErnaux, O lugar)


"A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e excluir... Dizer "o que somos" significa também dizer "o que não somos." 

"Achei que tinha escondido tudo... Botei Marx, Engels, Lenin (nenhum Trotsky) no armário da cozinha... Ela chegou às 11:30 exatamente... o olho dela cai em cima ao mesmo tempo que o meu de uma fileira de vinte distintivos pela paz mundial... Gostaria que o meu bebê vivesse me um mundo sem perigo nucelar... Ah, seus olhos acenderam..."

Jakie  Kay, Documentos de Adoção, 1991

(#TomasTadeu da Silva (org). Hall, Stuart. Woodward, Kathryn,  Identidade e Diferença -A perspectiva dos Estudos Culturais)


"As coisas aconteceram comigo para que eu as conte e se tornem escrita".

(#AnnieErnaux, O Acontecimento)


"Há sempre uma esperança que desta vez seja diferente. A história, afinal, nunca se repete. É a esperança que cria a luta, e, paradoxalmente, é também a luta que cria a esperança."

(#BoaventuradeSousaSantos, Descolonizar -Abrindo a história do presente)


"Era uma vida inteira que deixava para trás... era uma vida inteira que tinha pela frente... Passou pela turca que vendia fósforos, pelo iraniano que vendia empadas, pelo mulato com tabuleiro de doces... árabes, índio, chineses... negros falando em dialeto... em algum momento estrangeira e cariocas deixaram de se ver como exóticos para fazer parte do mesmo cenário... e se tornando, a cada requebrado, um pouco menos estrangeira..."

(#MartaBatalha, Nunca Houve um Castelo)


Parece que esses personagem - e autores- me conhecem. Seriam os livros espelhos?











sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Aniversário de São Paulo tem celebração em forma de gol




por Adriana do Amaral

Calor do verão. Arquibancada de concreto. Cabeça ferve, literalmente, pela alta temperatura, e  emoção. 

    No dia que a capital paulista completou 469 anos, o palco da festa aconteceu no Canindé, o estádio
da Portuguesa. Oficialmente, Dr. Oswaldo Teixeira Duarte. Não teve vela, bolo e Parabéns a Você, mas bola na trave, penalidade máxima batida duas vezes, bola na rede três vezes, e o grito: Palmeiras, Campeão!

Palmeiras e América decidem a Copinha 2023

 Foi um aniversário em família:   no gramado, os meninos: em   volta,  no estádio, a família   palestrina   reunida.

 Quase 18 mil pessoas:  a   lotação do estádio. No
 gramado os valentes   meninos;   nas arquibancadas,   pais mães   e toda a torcida. Palmeirense,   em sua maioria.

 Quem estava na “geral” mal conseguia sentar, tal areia da praia o concreto beirava os 40 graus . Já o calor humano era incomensurável. A torcida, conduzida pela uniformizada Mancha Verde, não parou de “cantar e vibrar"  e apoiar  um segundo sequer, “empurrando” os meninos até o gol da vitória, já nos acréscimos  do segundo tempo, consagrando-os campeões da copinha 2023. Bicampeonato da Copinha.

Os hinos foram atualizados, a alma lavada e a nova geração do futebol brasileira “surge imponente”. Isso, nas quatro linhas, já que nas arquibancadas muitas crianças, inclusive de colo, garantem o futuro da torcida. Pais, mães, avós orgulhosos, casais de namorados, amiges de todas as tribos só vemos nas partidas de futebol.

Água vendida no estádio

 Nada combina mais do que um domingo de sol numa cidade sem praia,   não é mesmo? É um alento ver que ao menor sinal de discussão na   arquibancada os torcedores se mobilizam para apartar e denunciar. A   Polícia Militar intervém rápido e o "show" se volta novamente para o   gramado.

 E, dá-lhe porco!, grita novamente a torcida, aliviada.


Desconforto e exploração

Para o espetáculo da bola evoluir no país do futebol há de se melhorar muito as condições para a torcida. Falta recepção, conforto e pós-evento.

Entrar no estádio sempre é uma agonia, a revista em alguns casos vexatória, os banheiros insalubres e os preços extorsivos. Sofrem ainda mais as mães com filhos pequenos. Conforto -e segurança- zero.

Ingressos a R$50 (não estamos falando das cadeiras) copo d’água a R$6, picolé a R$10! Com o calor paulista atípico, impossível não consumir! Muitos passam mal, a mãe não tem onde sentar os filhos pequenos, trocá-los e muito menos conservar a mamadeira.

Para o trabalhador cadastrado as condições são quase inumanas. O pagamento, por exemplo, por cada copo d’água vendido, é de apenas R$0,50. Isso, depois de pelo menos três horas carregando meia tonelada nas costas e subindo e descendo as escadarias dezenas de vezes.

Acabado o jogo, na parte externa do estádio, duas garrafinhas de água custam R$5. Os ambulantes são mais generosos!







quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A festa dos desejos



Imigrante boliviana festeja o Dia da Prosperidade, em São Paulo
Foto: Adriana do Amaral



Por Adriana do Amaral, jornalista 

Parece que a Bolívia fica em São Paulo! Esta é a impressão de quem participou da Alasita pela primeira vez, como eu. Festa realizada na véspera do aniversário da capital paulista, celebrada hoje, 25 de janeiro.

O dia prosperidade é tradicional na Bolívia,  prestigiado pela comunidade andina radicada em São Paulo e no mundo agora.

Bolivianos de todas as idades, alguns com trajes típicos, mas muitos descendentes nascidos no Brasil.

É quando as famílias se reunem para fazer piquenique, no Parque  Ulisses Guimarães, na região central. Também, para comprar as miniaturas, saborear comidas típicas e ouvir/cantar e dançar o folclore e as músicas contemporâneas. 

Na capital paulista, outras duas Alasitas foram realizadas, concomitantemente,  nas regiões Leste e Norte da cidade. Um dia inteiro de confraternização e desejos.

Compre-me

Ao longo da feira vemos as pessoas carregando objetos distintos, todos cobertos com a tapeçaria típica: a tari. Há opções de tamanhos variados e são usadas para carregar crianças, comida e os desejos.

 O presidente da Associação dos Empreendedores Bolivianos, Ronaldo Soto, afirma que podemos traduzir Alasita por “compre-me”. Por isso, a feira também é lucrativa.

A tradição reza que deve-se materializar o desejo a ser realizado no ano através de miniaturas (nem tão pequenas assim). Depois, deixar o objeto exposto em casa e mentalizar com fé. 

Quem chegou cedo conseguiu, inclusive, a intervenção de um padre, que benzeu os objetos com água benta. Uma circulada pela feira revela que os bolivianos radicados no Brasil estão desejosos por aumentar suas rendas e comprar moradias. 

Os bois são os objetos mais comprados, a cerca de R$60 cada, e sinalizam dinheiro. Mas há miniaturas de casas, apartamentos, terrenos, carteira de trabalho, diploma, passaporte e tudo o que se possa desejar.

O casal Ibraim e Andrea, ele vendedor de seguros, ela costureira, somou os desejos: boi, casa com tudo dentro.  As miniaturas são carregadas durante como pequenos altares, no colo, no ombro, no alto da cabeça.

Enquanto muitos comerciantes aproveitaram para negociar, outros preferiram aproveitar o dia de folga. Os que venderam, lucraram muito, os que preferiram descansar, encontraram amigos.

Estima-se que vivam em São Paulo mais de 300 mil bolivianos, a maior parte deles trabalhando na costura/setor textil ou comércio. A intensidade da imigração vem diminuindo e, atualmente, o Brasil é destino de jovens em busca de oportunidades.

A explicação seria que a economia brasileira, no momento, não é mais atrativa. “O dólar está mais caro aqui do que na Bolívia, reclamam.


É o desejo que move o mundo!




 

 


 


 

Publicado originalmente no portal #BemBlogado

 


terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Do estupro de cada dia nos livrai hoje

Amigas se despedem da garota morta precocemente 
Foto: GazetaViews
 Sempre admirei a arte da fotografia.         Aquela "magia" que parece capturar a   alma humana e a essência das coisas. 

 A imagem que ilustra este texto fala por   si. Há dor. Há muita dor desvelada nesse "retrato em branco e preto". 

 Impossível não ser tocada pela     fotografia, que eterniza o momento.   Mas, contar ou recontar a história   contida cabe a nós, profissionais do   texto.





Questionei o autor do que se tratava. Por que choraram esses meninas? Esse choro que me impacta trinta anos depois... 

A foto registra o momento em que as amigas velavam a vida ceifada pelo egoísmo humano. O crime  aconteceu no início da década de 1990. A jovem foi estuprada e morta dentro da própria casa, vitimada por um conhecido/parente que a surpreendeu e depois tentou simular um assalto.

Atração fatal

O tema da violência doméstica é atemporal. Sempre existiu. Seja em tempos de guerra e de paz. 

Na afirmação do poder. Pela cumplicidade social. No descaso da lei.

Cada caso de estupro anunciado reprime tantas dores outras, que geralmente eternizam cicatrizes. Por isso, eu insisto: a vítima nunca, jamais será culpada. Cúmplice do abuso serão aqueles que buscarem justificativas em prol do estuprador.

Geralmente, a violência relacionada ao sexo é acompanhada de práticas extremamente agressivas, sejam físicas ou psicológicas, mas eu repito à exaustão: a penetração sequer precisa ser consolidada para ser estupro. Um passar de mão já basta. Assim como o assédio sexual e moral também podem ser configurados em palavras, gestos e até omissões.

Ao meu ver, o abuso sexual é crime que extrapola todos os limites do meu entendimento e capacidade de compreensão. Ele é praticado contra bebês, crianças, jovens, adultos e idosos, pessoas com, deficiência, de ambos os sexos ou identidades de gênero. Por familiares ou desconhecidos, dentro de casa ou no trajeto cotidiano das vítimas, em festas de amigos, em lugares públicos e privados.

E o estupro se repete, e repete e repete... É um ciclo sem fim essa história de horrores.

O caso do jogador de futebol, Daniel Alves, preso por suspeita de estupro, na Espanha, atiça fogo na fogueira dos debates. Eu me pergunto: Como um homem jovem e "esclarecido", moderno até, pode achar-se no direito de abordar uma mulher pelo seu bel prazer? 

As mentiras contadas pelo brasileiro em suas diferentes versões, durante os depoimentos e declarações, parecem corroborar para a versão da vítima. A justiça decidirá. Espero, se fará, como pediu a jovem.

Os casos se multiplicam 

No Brasil, a cada dez minutos uma mulher é estuprada, de acordo com estudos divulgados, em 2022, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como vimos recentemente, nem nos leitos dos hospitais alguns vítimas estavam seguras.

São recorrentes, ainda, os casos de estupros múltiplos, quando a mulher é abusada por um grupo. Nesses casos, geralmente há exposição pública.

Crime, castigo, tratamento e assistência

Há muito a ser investigado em relação às motivações que levam ao estupro. Lembro-me da patologia conhecida como Síndrome da Criança Espancada, quando a vítima pode tornar-se algoz repetindo o mesmo mal que sofreu. Ou mesmo a repetição do modelo familiar, quando a agressão doméstica é vista como normal, afetando não apenas os pais e as filhas, mas os filhos, num ciclo permissivo.

Quem nunca conversou com uma mulher estuprada, sugiro que o faça. Os requintes de crueldade e barbárie civilizatória extrapolam todos os limites possíveis.

E, quando o estupro evolui para uma gestação indesejada, o crime ganha novas proporções de tragédia humana. Principalmente porque a legislação brasileira dificulta, muitas vezes, o aborto assistido. 

Penso que a legalização do aborto tem de ser fomentado como um debate nacional urgente. Defendo que deveria ser um direito de escolha, com as garantias de assistência integral, multiprofissional. Afinal, ainda temos de avançar para que uma gravidez seja planejada, desejada, suportada ao longo da vida. 

Sempre eduquei os meus filhos dizendo: não é não. E isso vale para a vida. É preciso impor limites e respeitá-los. Quando os limites são transpostos é vital denunciar.

Nossos corpos, nossas regras.










domingo, 22 de janeiro de 2023

50 anos depois… A fome, a miséria, o descaso é do Brasil!

 

Por Adriana do Amaral, jornalista


Lembro-me quando pequena, eu ainda não sabia ler as letras, mas nunca me esqueci das fotos: adultos esquálidos, costelas à mostra, ventres vazios e a cor preta desbotada nas fotos publicadas na Revista Manchete. O continente era outro, o Africano, e o povo sofria de carência generalizada. Morria à míngua para o mundo ver.

Indios mendigando na beira da estrada - GazetaViews
Depois, aos poucos, conheci nos livros, filmes e reportagens, a agonia do povo judeu em campos de concentração. Pessoas morriam tanto de fome quanto torturados em sua dignidade do ser. 
Outra foto dramática é da sobrevivente de outra guerra, no Vietnã. 

Os mesmos corpos nus: os oprimidos de suas épocas. Mas...

Há tantas outras lembranças oriundas do fotojornalismo -de verdade e não resultante das montagens… Testemunhos do descaso com a vida -e desrespeito à vida humana. Mais recentemente, do homem sufocado pela violência policial aos milhares de brasileiros enterrados em valas comuns, assassinados pela falta de oxigênio no Brasil. Na manchete, o jogador de futebol que não respeita o limite do não.

No sábado (21), as fotografias do povo ianomâmi, registradas no Estado de Roraima, parecem confirmar que retrocedemos na evolução social. Na véspera, os agentes de saúde denunciaram que não eram “capazes de contar os corpos dos pequenos indígenas". Brasileirinhos originários, que morreram sem ter a oportunidade de absorverem sua cultura encantada. Cerca de 570 crianças! E tantos outros adultos.

O presidente do Brasil, Lula, foi conferir a tragédia anunciada. Deu uma saudade tamanha da médica Zilda Arns, e da sua fórmula contra a desnutrição infantil: tão simples, tão eficaz. Saudades também do irmão do Henfil, o Betinho e seu Programa Fome Zero.

O que me remete à década de 1990, quando acompanhei a equipe de saúde voltada aos indígenas, no interior de São Paulo. Política pública.

Era realizado um trabalho delicado, de reconhecimento mútuo, quando duas culturas compartilhavam conhecimento, numa relação de troca de saberes. Então, era respeitada a vontade dos indígenas, mas o diálogo era intenso quando havia gravidade patológica e risco de morte.

Tudo pelo SUS. O Sistema público e universal de saúde, quase destruído, e que agora deve ser resgatado como referência para o mundo.

Nas ruas das cidades brasileiras pessoas estão morrendo de fome; nas celas, pessoas em situação de cárcere morrem de descaso, na selva de pedra ou de mata os brasileiros morrem. A violência generalizada cria, ao mesmo tempo vítima e algoz. Como reverter esse caos? 




sábado, 21 de janeiro de 2023

O sindicalismo brasileiro tem de resgatar o jeito Lula de ser

Manifestação pelo registro da candidatura Lula em Brasília, 2018
Foto: GazetaViews



Por Adriana do Amaral, jornalista


Nessa lida cidadã pela redemocratização do Brasil, tornei-me espectadora assídua das lives do presidente Lula. Hábito cultivado desde que ele tomou as redes sociais, ainda no período pandêmico, pré-eleitoral. 

Confesso, agora, que não consegui ouvir integralmente certas falas, de alguns líderes sindicais, durante o encontro de quarta-feira (18). Muitos não irão gostar do que lerão aqui. 

Permito-me citar Antonio Gramsci, que nos lembra do importante do papel dos intelectuais orgânicos, tal Lula. Aquele que odiava os indiferentes.

Sou defensora do movimento sindical, do engajamento do trabalhador através da luta dos sindicatos de classe. Inclusive, contribuo mensalmente com o meu. 

Porém, muito da liderança está ultrapassada, ou demasiado comprometida, com interesses tantos, muito além da questão dos dos trabalhadores. Parece que o tal monstro chamado "mercado" aprendeu a dominar as negociações.

Como jornalista, atuei no jornal diário, científico, institucional e sindical. Depois, voltei à universidade. Pesquisei a comunicação sindical no contexto da Reforma Trabalhista e da precarização do trabalho e atualmente estudo o labor das mulheres imigrantes latino-americanas em São Paulo.

Cada etapa da minha vida profissional foi importante, pois me ajuda a relacionar as nuances da relação capital/trabalho, direitos/negociação, saúde laboral etc. Trabalhei com públicos distintos, como “comunicadora”, mas informar e, sobretudo, ouvir os trabalhadores da base da pirâmide social me foi particularmente uma escola. Ainda hoje, passados quatro anos, ainda mantenho muitos em minha rede de relacionamento.

Por isso, não gostei das falas em tom de discurso. Remeteu-me quando testemunhei alguns deles esticar a negociação com o presidente que protagonizou o golpe de 2016 e a Reforma Trabalhista de 2017, ceifando os nossos direitos: Michel Temer. Depois disso, deixei o trabalho como jornalista sindical e voltei aos estudos formais.

Na época, dizia-se que os sindicatos teriam de ser reinventar. Enquanto alguns fecharam as portas ou foram engolidos por outros, muitos demitiram. E os jornalistas não foram poupados, aproveitando o boom das mídias sociais para extinguir os jornais, que implicam em custos, mas que passavam de mão em mão e seguiam para as casas e comunidades, estimulando o acesso à informação.

Sinto que apenas o Presidente Lula tem a capacidade, competência e paciência para desentornar esse caldo. A quem se interessa pelo tema, peço que leiam Vito Giannotti e se atualizem com a jornalista Claudia Santiago, do Núcleo Popular de Comunicação. Ela mantém o acervo e segue o seu legado do companheiro de vida e oferece reciclagem profissional e cursos diversos..

Falar ao trabalhador não é fácil como parece. Trabalhar com líderes sindicais é mais árduo do que se imagina. Mas, o mundo do trabalho é indescritível como experiência profissional e de vida!

Lembro-me das antigas e também das mais recentes assembleias dos trabalhadores. Para mim, uma oportunidade de diálogo ímpar na “Ágora” moderna e que, em muitos casos, foram transferidas para territórios patronais. Intimidadores.

As respostas - e soluções- estão nos anseios dos trabalhadores, muitas vezes calados em suas arguições reivindicatórias. É urgente resgatar o ideal do #trabalhodecente e as diretrizes da #agenda2030.

Haveria muito a ser dito, mas resumo com a fala do Papa Francisco, que defende os sindicatos fortes. Sim, ainda acredito nos sindicatos.

Minhas dissertação de mestrado foi dedicada ao presidente Lula.  Para quem tiver paciência, segue o link: 


http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/2017


(reprodução livre desde que citada a fonte)


As boas práticas que temos de aprender com a Bolívia para neutralizar os golpistas

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